domingo, 11 de outubro de 2015

"Deus escreve esquerdo por linhas direitas"





Um amigo meu, já falecido, proferia com frequência esta curiosa frase face às controvérsias da vida política a que assistia: “Esperai que Deus escreve esquerdo por linhas direitas”. Queria ele dizer com isto que os projetos políticos da chamada esquerda, muito comprometidos com ideais exigentes e com frequência de difícil concretização, eram frequentemente viabilizados por erros da direita.

A direita, como se sabe, tem uma vantagem prática sobre a esquerda: nunca perde de vista os seus objetivos – o pote – e é capaz de tudo para lá chegar. Até de disfarçar-se de adepta furiosa dos tradicionais ideais de esquerda. A direita (a dos interesses) que é propositadamente confundida com a direita conservadora – os tradicionalistas, os avessos às mudanças – só tem em rigor esta vantagem relativamente à esquerda, termo que surgiu na Revolução Francesa em resultado da posição que os adeptos da mudança e do progresso ocuparam, por mero acaso, nos Estados Gerais, em 1789. A Nobreza e o Clero posicionaram-se à direita do rei, enquanto o “Terceiro Estado”, os representantes do povo e burguesia, se sentaram à esquerda.

Desde aí a ideia de esquerda – mais até que a de direita – ficou e tem sido interpretada de diversas formas. Todavia os conceitos básicos a que está ligada, por tradição, são os do progresso, da liberdade, da igualdade e da justiça social. A direita geralmente apresenta-se como defensora das tradições, dos ideais históricos, do conservadorismo, mas sabemos que isso, salvo raras e honrosas exceções, é um disfarce para o seu objetivo principal: apropriar-se do pote que a sociedade na sua labuta constitui.

Se as coisas fossem lineares, se não houvesse tanta confusão deliberada ou resultante da ignorância, se a ideologia dominante – modas, hábitos, formas de pensar - não fosse quase sempre a da classe que detém o poder, a esmagadora maioria do povo identificar-se-ia, naturalmente, com os ideais de esquerda. Se a direita ocupa o espaço que ocupa, se por vezes é maioritária, é porque reina muita confusão na sociedade. Ser a favor do progresso, da igualdade e da justiça social é sempre mais difícil do que ser a favor de privilégios:  pressupõe educação cívica, abnegação e até coragem.  Para a defesa de interesses egoístas pouco é preciso saber: basta não perder de vista o cobiçado pote.

É por isso que os caminhos da esquerda são difíceis de trilhar. A história parece dar preferência às lógicas simplistas da direita. Mas nem sempre é assim: A ganância ou cegueira da direita é por vezes tão estúpida que faz acordar a esquerda do seu torpor. Ou seja: a direita cria as condições objetivas para abrir caminhos à esquerda. Já aconteceu muitas vezes. “Deus escreve esquerdo por linhas direitas” é o que quer dizer.

Quem sabe se não é o que está a acontecer, agora, entre nós…


Daniel D. Dias

terça-feira, 6 de outubro de 2015

No começar é que está o ganho




Se ser de esquerda não for só retórica ou profissão de fé, com estes resultados eleitorais será possível estabelecer uma plataforma de entendimento entre os partidos que se opõem à coligação – por mais pequena que seja -, suficiente para criar uma alternativa de poder. É uma questão de brio patriótico e de sobrevivência o que está em causa. Esta “comissão liquidatária” se não for apeada rapidamente consolidará o seu poder e acabará com Portugal como país livre e independente. Mas é preciso andar depressa antes que a direita do PS, ajudada pelo jornalixo e pela ideologia dominante que transforma gradualmente os portugueses em zombies políticos, se recomponha e derrube Costa. O mais certo é o PS que se seguir - com ou sem Costa, - vir a apoiar a direita. Por mais estranho que pareça, a primeira e mais urgente tarefa que toda a esquerda tem pela frente, é pois, proteger Costa e o PS (que ele ainda representa talvez por pouco tempo mais) de ser engolido pela direita interna do PS. Não riam: é mesmo assim. Façam o favor de ver as coisas com realismo e andar depressa. Convém abster-se de embirrações, guardar as vaidades para mais tarde e avançar nesta direção: Discutir plataformas de entendimento - unificadoras, viáveis, realistas -, discreta mas rapidamente, sempre longe do jornalixo. Se progredirem nesta linha nem que seja um palmo, estou certo que tudo será mais fácil no futuro. O problema está só no começar.

Daniel D. Dias

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Cenários pós eleições 2015


1.
Se a maioria absoluta da coligação PSD/CDS não vier a concretizar-se, e se no PS -, seguindo a tradição e as aspirações do seu núcleo direitista -, se demitir o António Costa, ou muito me engano ou teremos a breve trecho um governo minoritário de direita a governar com o apoio do PS.
Bloco e PCP têm razões para rejubilar. Mais uma vez ganharam uma difícil batalha. Sobreviveram e até cresceram, mas não irão governar como parece ser, aliás, a sua secreta aspiração de sempre. Mas subtilmente contribuíram (também mais uma vez) para que Portugal continue sob a alçada da direita. Mas - entenda-se - o que carateriza desde há muito a nossa esquerda é não conseguir viver sem ter desafios de monta que lhe permitam mostrar a sua capacidade de resistência, a sua superioridade moral e a sua coragem para defender o povo. Um tanto como o rato Tom que precisa desesperadamente do gato Jerry para mostrar as suas habilidades. Sempre inimigos mas sempre inseparáveis. Sem uma direita no poder e um PS, titubeante, ruído por dissensões direitistas, como sobreviveria esta nossa esquerda?
Ou seja: Tudo leva a crer que continuamos na gloriosa senda "de vitória em vitória até à derrota final".

2.
A menos que a coligação de direita não tenha a maioria, o Costa não se demita e os que se dizem de esquerda resolvam fazer um acordo de incidência governamental, em nome duma maioria de esquerda no parlamento, e que a resolvam reclamar ao Presidente da República, de acordo, aliás, com a constituição... Tudo mudaria desta forma.
Eu não quero tirar o benefício da dúvida a este cenário mas francamente só acredito se vir alguma coisa nessa direção e até agora não vi nada.
Portugal não é de facto a Grécia onde houve eleições num dia e no outro já havia acordos parlamentares a funcionar.

_______
Mais uma vez verifico que em Portugal não é a direita que é forte. A esquerda é que é fraca, ou melhor, é a esquerda que não sabe usar os seus enormes potenciais. Enquanto a direita, prosaicamente, não perde de vista o pote dos seus interesses, a esquerda sobrepõe aos objetivos que lhe competem de conquistar o poder e de governar bem, com equidade e justiça, as eternas quezílias entre si, acerca de superioridades morais, as legitimidades ideológicas, a competição por saber quem denuncia ou reivindica melhor…
Ainda por cima a esquerda absorve toda a ideologia e propaganda veiculada pelos “media” dominados pela direita e não sabe defender o povo desse veneno. É uma situação frustrante que se continua a viver com uma grande parte da população já indiferente ao assunto. As pessoas já interiorizaram que a esquerda é uma espécie de desejo piedoso por mudanças, por justiça, mas que é irrealizável e que já está integrado no ideário direitista, que o consente ou não, segundo a sua caprichosa vontade. Quanto tempo resistirá uma democracia com estas aleivosias por mais formal que seja?
Daniel D. Dias
4/10/15

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

De vitória em vitória até à derrota final?



Será assim uma vez mais?

Não sei. Por algum tempo ainda admitirei que seja apenas mais um simulacro estratégico - ou uma trampa, como diriam os nossos companheiros castelhanos - congeminada pelos incansáveis marketeers que controlam os me(r)dia lusitanos. Mas, pelo sim pelo não, preparo-me para engolir mais um sapo, desses que abundam no atávico charco deste reino cadaveroso portuga, que persiste (não se cansa de sebasteanar), apesar das caganças de modernidade que ostenta...

E vou engoli-lo a troco de nada. Como sempre fiz, aliás.

Mas desta vez precavi-me. Desde as últimas eleições percebi que este povo de marinheiros - talvez cansado de tanto navegar em superfícies turbulentas e “mares de cabrões”-, prefere agora a mortal calmaria dos fundos marinhos, povoados, à falta de peixe, por uma frota de inúteis submarinos. E adquiri, obviamente, uma  discreta bóia, dessas familiares, para não correr o risco de partir sozinho à deriva por esses mares afora. Claro está: o omeprazol passou também a fazer parte da minha dieta. Porquê esse luxo - perguntam-me -, se deixei de frequentar restaurantes, se passei a ser obsessivamente frugal? Aí têm a resposta: Para prevenir as náuseas dos náufragos e neutralizar a acidez que todo o sapo sempre implica.

Já tinha avisado: o redil há muito está preparado. É só entrar e seguir os maiorais, sem pieguices. E não se atropelem se faz favor!

(Último aviso.)

Daniel D. Dias