sexta-feira, 21 de março de 2014

todas as flores são eternas




chegamos sós
mas construímos a ideia de que estamos acompanhados
graças à artimanha da natureza que nos arredonda as faces
torna graciosos os nossos gestos
nos transforma, por um tempo, em belas flores

depois, quando entardece, os ossos esquinam-se e endurecem
o brilho do olhar tomba sob nuvens de negras rugas
e as belas pétalas decaem em estranhas formas, que o vento arrasta


na penumbra, já poucos nos veem
e os que o fazem apenas tateiam a  memória que sobra
da vaga ideia do que pensam termos sido
ou de eventuais vestígios que largámos pela paisagem


estamos sós,
vivemos e morremos sós:
tem um custo gozar o privilégio de apreciar
as belas flores que ajudamos a dar vida…
mas não é triste, nem alegre
é apenas assim
o fazer parte da eterna paisagem mutante


mas em cada primavera
o vulto das flores caídas, os seus remotos aromas,
animam-se nos bicos das aves, nos  rebentos das velhas árvores
nos traços de cada flor...

de que podemos queixar-nos?
mesmo que não saibamos, mesmo que não demos por isso
todas as flores são eternas


Daniel D. Dia

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