terça-feira, 18 de março de 2014

A UE não é território ideal para qualquer utopia



Medeiros Ferreira faleceu hoje mas como se costuma dizer morre o homem e fica a obra. Não me lembro de melhor forma de homenageá-lo nesta altura, do que recordar o que suponho ser o seu último livro intitulado “Não há mapa cor-de-rosa – A história (mal)dita da integração europeia”, editado pelas Edições 70, em 2013. Este é um dos documentos mais lúcidos e esclarecedores sobre a génese da União Europeia que já tive ocasião de ler. Através dele podemos entender as razões que subjazem ao chamado projeto europeu, que teve tudo menos razões altruístas para ser implementado. Lendo livro fica claro que a UE foi um estratagema conduzido pela “direita civilizada” – a democracia (dita) cristã, apoiada pela única potência mundial que lucrou com a guerra, os EUA, para relançar a Alemanha como testa de ponte da economia ocidental. O objetivo era construir uma barreira no coração da Europa ao hipotético avanço – ou contágio - do que se entendia ser na altura o modelo socialista, algo que, em rigor ninguém sabia o que era, excepto que tinha tido a força suficiente para derrubar Hitler e ganhar a guerra.

Diz Medeiros Ferreira:

“Enquanto durou o conflito Leste-Oeste, a divisão da Alemanha e a existência de regimes de democracia de influência soviética, a Comunidade Europeia caprichou em dar respostas positivas aos desejos de desenvolvimento e de modernização dos países chamados da ‘coesão’: Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, por ordem de chegada entre 1973 e 1986. Quando acabou a noção de ‘Europa Ocidental’ e se operou a reunificação alemã, assim como o alargamento a Leste, começou a emergir o egoísmo das lógicas nacionais. Entre 1992 e 2001 passou-se num ápice da miragem da ‘Europa dos Cidadãos’ para a realidade da ‘Europa das Chancelarias’.

(…) Não há maneira de escamotear o diferente comportamento da EU antes e depois do fim da guerra fria. Mesmo a defesa e promoção dos direitos humanos no espaço de liberdade e justiça sofreu uma subalternização nítida. O facto de a EU não subscrever a Convenção Europeia dos Direitos Humanos do Conselho da Europa foi disso sintoma e prova.”

E no final, previne:

“O erro inicial foi o da fuga à vontade dos povos e ao escrutínio democrático a nível europeu. Disse-o Mendés France com clareza no Parlamento francês em Janeiro de 1957. O chamado ‘método Jean Monnet’ acabaria por criar um hiato entre a Europa dos oligarcas e dos burocratas e a Europa dos Cidadãos para surgir agora a Europa das Chancelarias. Ora, a Europa das Chancelarias não é um passo em frente em relação à história do continente. Nem na sua forma de eixo, ou directório, e muito menos sob qualquer conduta unilateral. Sendo certo que a UE não é território ideal para qualquer utopia.”

“Não há mapa cor-de-rosa – A história (mal)dita da integração europeia”, de José Medeiros Ferreira, esclarece muitos pontos obscuros desta UE que atravessa uma fase crítica da sua existência. Para conhecer melhor a Europa e compreender a atual crise mas também como forma de homenagear o político e pensador Medeiros Ferreira, sugiro a leitura urgente deste livro.

Daniel D. Dias

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