terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Falemos de Sócrates



Há pessoas a impacientar-se por muito se falar da prisão de Sócrates. Ainda não entenderam que enterrar Sócrates - com razões válidas ou sem elas - é CRUCIAL para interiorizar a "necessidade" deste ajustamento a uma política de retrocesso e de miséria, que parece ter vindo para ficar. Esta comissão liquidatária que nos tem governado, e seus inibidos ou descarados apoiantes, precisavam desesperadamente disso. Especialmente para ganhar os muitos hesitantes que vão sendo alimentados na hipnose dos nossos “media”. Não esqueçamos o que dizia aquele senhor, muito sério, de que muitos têm saudade: em política o que parece é. O enterro de Sócrates, preparado há anos, tem o seu epílogo neste estranho caso jurídico, inédito no mundo, muito à boa maneira lusitana. Somos pioneiros, porra! A prisão de Sócrates, é pois, um feito e assim deve ser entendida. Não é de estranhar, pois, que o assunto seja muito badalado: Dá vazão aos amores e ódios de estimação, é o maior enterro de que há memória em Portugal, e... vende "jornais" como há muito não se via.

Falemos, pois, de Sócrates, carago!


Faniel D. Dias

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Uma justiça que não para de surpreender



O Ministério Público acaba de mandar arquivar o célebre Processo dos Submarinos. Num país onde os grandes crimes económicos habitualmente prescrevem ou não dão em nada, tal facto não seria de espantar se não fosse a circunstância de, neste caso, haver comprovadamente a certeza de que HÁ MESMO criminosos. É que a justiça alemã em devido tempo condenou cidadãos alemães por TEREM SUBORNADO RESPONSÁVEIS PORTUGUESES que facilitaram (ou decidiram) a compra dos referidos submarinos.

Equívocos da justiça alemã, ou singularidades da justiça portuguesa que poderá não ser eficaz, nem sequer justa, mas que não para de surpreender?

http://visao.sapo.pt/processo-dos-submarinos-arquivado=f804817



Daniel D. Dias

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

se decido ser bom
só um simulacro de  bondade crescerá em mim
se decido meditar
nunca encontrarei a meditação
se decido ser honesto
cultivarei a hipocrisia, nunca a honestidade


amor, verdade, virtude
são aromas preciosos
que não há forma de guardar
nem técnica de cultivo;
fluem como fresca aragem
que irrompe pela casa dentro
se a porta estiver aberta


mas se decido abrir a porta
com o propósito de aceder-lhes
nada surgirá;
por mais escancarada que fique
apenas acolherei a brisa da ilusão


Daniel D. Dias

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Fogo amigo

Posso estar enganado mas palpita-me que a prisão de Sócrates vai ter o efeito duma espécie de "fogo amigo". Muitas das bojardas que lhe têm sido lançadas talvez expludam nas mãos de quem as lançou, outras, poderão atingir alguns que vivem calmamente, "desenfiados" e até agora protegidos... Nas artes da guerra, há tempo para avançar e tempo para recuar. Não perceber isso é muitas vezes fatal. Daniel D. Dias

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Brasil: Se pudesse rezava



Frantz Fanon (1925-1961), psiquiatra, pensador e combatente da luta pela libertação dos povos, que se notabilizou na descolonização da Argélia, avisou que os resultados das lutas pela liberdade e independência no mundo subdesenvolvido não seriam lineares e que poderiam mesmo ser algo controversos. Na altura, no rescaldo da II Guerra Mundial, em que se generalizavam as lutas pela independência no “terceiro mundo” – África, Ásia, América Latina -, ele apercebeu-se que a libertação dos povos submetidos à exploração colonial só seria efetiva depois de reproduzidos “in loco” os modelos de governação das potências colonizadoras. A sua experiência como psiquiatra em territórios colonizados apontava nesse sentido.

Era, para muita gente do seu tempo, algo chocante, mas estranhamente, pelos vistos, continua ainda a sê-lo para muita gente de hoje. Ele sugeria que não bastava tomar o poder para implantar um regime mais justo. Era quase inevitável que se seguisse a esse momento um período intermédio recriador de novas burguesias, nessa altura nacionais, certamente muitas delas com génese na luta anticolonial. Sem essa passagem não haveria possibilidades de êxito para implantar regimes mais avançados, socializantes, como se desejava então.

A história mostrou efetivamente que a maior parte das experiências iniciadas nos anos 50 e 60 do século passado, conduzidas frequentemente por gente idealista e abnegada ao ponto de a elas sacrificar a própria vida, deu origem a regimes muito diferentes daqueles que motivaram os seus promotores. Muitos desses regimes caíram nas mãos de novas burguesias, exploradoras, prepotentes e corruptas, por vezes tanto ou mais que as das antigas potências colonizadoras.

Todavia a tese de Fanon não era um libelo contra as lutas de libertação. Bem pelo contrário. Era um contributo para combater as impaciências “revolucionárias”.

A ideia de que se pode saltar por simples decreto, dum regime arcaico, para outro avançado, expurgando todos os vícios e males do passado, é uma ideia antiga que continua a ser propalada, especialmente por aqueles que não fazem intenção de mudar nada, porque, lá no fundo, receiam ou se opõem à mudança. Nenhuma mudança se faz sem sobressaltos, sem deceções, sem erros e sem contemporizações com situações abstrusas. Ser capaz de suportar a frustração, sem se conformar com ela mas sem nunca desistir de mudar, é um dom indispensável para levar de vencida qualquer projeto de mudança. Alguém dizia: temos de ganhar a guerra com os soldados de que dispomos. Quem diz soldados, diz povo, diz políticos, diz partidos, diz meios de comunicação social, diz cultura, diz sociedade, com todas as suas qualidades, fraquezas, defeitos, que jamais desaparecem por artes mágicas…


No Brasil estamos a assistir a uma iminente demonstração de que o retrocesso pode ocorrer em resultado da exploração destes fenómenos de impaciência, de inconformismo, que têm alguma razão objetiva, mas que são induzidos e empolados no seio da opinião pública, por propagandistas agitadores, bem treinados. É sabido que nenhum país do mundo eliminou em dez anos as desigualdades sociais, ou a miséria, e muito menos a corrupção. No entanto a eleição de Lula – antecessor de Dilma – representou, de facto, um corte com o passado e trouxe significativas mudanças ao Brasil. Em poucos mais duma década dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza extrema, que era crónica no Brasil, e o país passou a registar a mais baixa taxa de desemprego de sempre, facto significativo mesmo em termos internacionais. No plano mundial, pela primeira vez o Brasil assumiu-se por direito próprio como potência global, capaz de dar corpo a uma alternativa ao modelo de globalização dominante.

Estes sinais, por si só, justificariam apostar na continuidade da atual presidente. Não compreender que a supressão da corrupção não ocorrerá de um dia para o outro e que o excesso de expectativas, cultivado por quem, quando no poder, as negou sistematicamente, é algo criminoso. Decorre a clássica ligação do “purismo” esquerdista (de Marina Silva) que explora as fragilidades e contradições do partido (ou sistema de partidos) que tem gerido o Brasil, e os interesses oportunistas (candidato Aécio Neves) que representa as forças do retrocesso.

Se Dilma perder a favor de Aécio, não vai ser só a maioria da população do Brasil que vai perder. Vai perder também toda a América Latina, especialmente os seus países mais progressistas.  Mas, duma forma geral, todo o mundo perderá. É duvidoso que com Aécio no poder o Brasil concretize o projetado Banco de Desenvolvimento dos BRICS, com sede no Brasil, concorrente do FMI e do Banco Mundial. Provavelmente os BRICS passarão a RICS e o tal banco vai parar à Índia…

Quem ganhará com a derrota de Dilma? Para além duma certa burguesia nacional, os EUA, pouco confortáveis com uma sensível perda de influência ocorrida durante este consulado petista, poderão obter alguma folga e retardar a sua imparável crise, esgaravatando um pouco mais no seu antigo quintal sul americano. É porém duvidoso que a sua amiga UE ganhe alguma coisa com isso. Bem pelo contrário.


Não sou crente, como a Marina é, mas tenho pena. Se o fosse rezava para que, com todos os seus defeitos e contradições, o PT continuasse no poder por mais uns anitos, pelo menos… Para bem de todos. Até das muitas Marinas que há por aí.


Daniel D. Dias

domingo, 21 de setembro de 2014

Benefício da dúvida


Vivemos um tempo espantoso, de imensa criatividade, de descomunal conhecimento. Podemos afirmar, sem margem para erro, que 99,999999% dos sábios da história da humanidade -, desde a pré-história mais remota, aos luminosos dias de hoje, da Antiguidade Clássica, à Idade Moderna, do tempo de Aristóteles ao tempo de Galileu, - estão todos vivos! Não é fantástico sermos contemporâneos da esmagadora maioria dos sábios de todos os tempos?

Esta constatação torna desconcertante saber que apenas uma pequena parte deste enorme potencial tenha vindo a ser usado para resolver os problemas humanos. Seria espectável que tanto conhecimento acumulado, da natureza e do próprio ser humano, fosse prioritariamente aplicado no combate às doenças, na compreensão e melhoria das relações entre pessoas e povos, e, duma forma geral na busca da felicidade.

Mas não. O melhor da ciência, é, antes de mais, aplicado na capacidade de nos matarmos uns aos outros; o maior conhecimento que adquirimos do nosso notável cérebro, é, de imediato, aplicado em técnicas de vendas e no exercício de nos enganarmos uns aos outros.

Dá vontade de concluir que a inteligência é diretamente proporcional à estupidez,  mas não quero acreditar nisso. Prefiro conceder o benefício da dúvida e pensar que o conhecimento acumulado ainda não se tornou sabedoria, ou que ainda pensamos muito com a cabeça e pouco com o coração.

Daniel D. Dias

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Novo desporto radical



Quando nos finais do século XX o filósofo Roger Garaudy  -, resistente anti nazi, destacado militante marxista e membro do Partido Comunista Francês, (do qual acabaria expulso aquando da invasão da Checoslováquia pelas tropas da União Soviética) -, declarou aderir ao islamismo numa atitude de provocação intelectual a um ocidente que ele considerava decadente e corrupto, não era certamente o islamismo dos membros do chamado Estado Islâmico ou da Al-Qaeda que tinha em mente.

As grandes religiões sempre foram pretexto para ações de todos os tipos, das mais nobres às mais retrógradas, e o Islão não é exceção. Quando na Baixa Idade Média o poder dominado pela cristandade queimava nas fogueiras do obscurantismo a sabedoria da antiguidade clássica, os intelectuais da Idade de Ouro do Islão, preservavam esses livros e promoviam as ciências e as artes. Se não fossem eles é provável que Aristóteles, Platão, Euclides, Demócrito, não fossem hoje conhecidos no mundo. As forças (ditas) islâmicas que há poucos anos dinamitaram as milenares estátuas de Buda, no Afeganistão, obviamente nada têm a ver com as dos seus antepassados dessa Idade de Ouro do Islão.

A perceção de que as religiões podem ser usadas para o bem ou para o mal, que através dos mecanismos da fé se podem manipular multidões, especialmente em períodos de crise, levou a que a maioria dos promotores da democracia moderna advogassem o laicismo, i.e., estados onde as religiões fossem livres mas se subordinassem ao poder secular.

Na era Reagan os EUA promoveram o extremismo religioso para minar o que consideravam ser a expansão soviética. Nessa linha criaram ou ajudaram a criar a Al-Qaeda e outras organizações extremistas. Foi um terrível erro que o mundo agora paga caro. A ideia que subjazia aos promotores dessa modalidade de luta política era a de que se podia gerar monstros para combater o inimigo, pois, quando fosse necessário, seria fácil eliminá-los. A realidade mostrou que as feras treinadas para combate não reconhecem os donos. Mas, apesar das crescentes evidências e ameaças, esses jogos de guerra continuam a ser alimentados. Na Líbia – cujo Índice de Desenvolvimento Humano, atribuído pela ONU, era o maior do continente africano e superior ao de muitos países europeus, antes da queda de Kadhafi – a intervenção da NATO apoiando mercenários, jihadistas, membros da Al-Qaeda, de várias proveniências, mergulhou o país na ingovernabilidade e no caos. Milhões de pessoas procuram agora refúgio nos países vizinhos ou na Europa. Muitas acabam morrendo no Mediterrâneo ou às mãos de fanáticos “religiosos”, sedentos de poder.  O Iraque, que regista milhões de refugiados e centenas de milhares de mortos após a intervenção orquestrada por Bush e seus aliados, o caos instalado dá origem a um anacrónico Estado Islâmico, que cresce em grande parte graças ao apoio dado aos rebeldes anti Bashar al-Assad apoiados pelos EUA e CE, em especial, o UK e a França. Este apoio dado conscientemente a militantes da Al-Qaeda, vindos da Líbia, da Jordânia, do Kosovo, e de outros países, designadamente da CE, Austrália e EUA, sob o pretexto duma Primavera Árabe, libertadora. Sabe-se agora, que esta Primavera Árabe, aparentemente espontânea, foi liderada e promovida por John McCain, candidato republicano às últimas eleições presidenciais americanas, que já havia contribuído para a destruição da Jugoslávia, apoiando movimentos radicais, sob um pretexto semelhante.

O extremismo baseado em ideias “religiosas” é algo antigo que parece absurdo ainda proliferar e crescer numa época de conhecimento e informação como a nossa. Mais: Dá ideia que tal “métier” se está a transformar numa espécie de novo desporto radical que atrai uma juventude - desencantada, frustrada, desempregada, alienada, revoltada -, gerada nesta sociedade dita civilizada e de consumo, que procura no holiganismo e no terrorismo um sentido para a existência.

Daniel D. Dias



sábado, 23 de agosto de 2014

Lerdaços



“É preciso escolher Israel – tanto pela causa de Israel como pela nossa.
O resto é cobardia, aldrabice, desprezo e estupidez.”

Miguel Esteves Cardoso  - Público - 20/08/2014
(http://www.publico.pt/mundo/noticia/escolher-israel-1666913)


Um néscio, por mais talentoso, letrado, presumido, acalentado, untuoso, extravagante, mimado, protegido, premiado, poliglota, conhecido, publicitado, editado, favorecido, bafejado, convencido, abençoado, agraciado, gracioso, irónico, verrinoso, exótico, cavernoso, lunático, verboso, prolixo, argumentativo, que seja; quer viva no parnaso, no nirvana, em Cascais, na Quinta do Conde, numa corte de aduladores, na Califórnia, em Cardiff, na Porcalhota, num lupanar, ou em Malavado; disponha duma corte de tias apreciadoras das suas graçolas ou dos seus arroubes românticos, faça parte dum clube com mais fãs que o de Tony Carreira ou que  tenha cinquenta mil amigos e um milhão de likes no Facebook ; continuará sempre a ser um NÉSCIO, rudimentar, boçal como a maioria dos néscios. Porém alguns, que são retrógrados e reacionários por snobismo e cagança, prefiro designá-los por lerdaços. LERDAÇOS soa melhor. Ponto.

Daniel D. Dias

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O amor faz de mim parte
é relíquia nobre e bela
que exibo na lapela
como amuleto e estandarte

há muito que é meu baluarte
abrigo de toda a procela
um seguro da sequela
de viver com pouca arte

mas houve um tempo, suspeito
que era outra a realidade
que habitava no meu peito

eram o amor e eu num só feito
ignota e estranha entidade
dum tempo mágico e perfeito


Daniel D. Dias

domingo, 6 de julho de 2014

Sobre a húmida areia, num traço
o mundo inteiro enlaço. Até
a  lua, curiosa, fez um compasso
e retardou o repique da maré

Lua: não deixes que a tua onda
esbata já a pueril aspiração
deste que num passe de magia, sonda
o mundo que lhe agita o coração


Daniel D. Dias

quarta-feira, 2 de julho de 2014

aspiração



Não quero a emoção
nem tão pouco a razão.
Não me fio nesses labirintos
do coração

Não quero a certeza
nem tão pouco a esperteza.
Não confio nesses requintes
da subtileza

Não quero a felicidade
nem tão pouco a eternidade.
Não acredito nessas tramas
da falsidade

O que quero é só amor
mas sem condição nem favor
sem procura nem oferta
e sem temor

Daniel D. Dias

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Luar


Anoiteço.
Insidiosa a penumbra
por todo o lado me envolve
e eu permaneço aqui
como crisálida desinteressada em nascer

não me movo
não contesto a sombra
que desativa memórias
observo apenas
o perto a ficar longe

é um sono
um cansaço morno
junto à fogueira que fenece
ainda assim bruxuleante

No silêncio
a voz dum cão, longínqua
o hesitante grilar dos grilos
irrompem no ruido surdo das vagas
desse mar sempre presente

Resquícios do dia
ou saudações ao luar
que surge do nada
assinalando o outro lado da vida?


Daniel D. Dias

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Eleições à vista?


Ou muito me engano ou esta comissão liquidatária a que chamam governo prepara um golpe para continuar no poder. O pretexto é, mais uma vez, o Tribunal Constitucional que não deixa o pais sair do marasmo, agora que o caricato relógio de Portas assinalou o fim do “protetorado” da troika e era suposto arrancar o futuro radioso do país. Não há exagero em afirmar que o Tribunal Constitucional é um pretexto, pois, nestes três anos de austeridade, só cerca de 15% das medidas de austeridade foram restringidas pelo TC. Tudo mais foram opções do executivo.

A mascarada chegou ao fim não por culpa da derrota nas eleições europeias, nem por causa do TC, mas porque tudo falhou e em toda a linha. O desemprego aumentou, a ruina corrói toda a sociedade, das instituições, às empresas, passando pelas famílias. Até a “indústria da caridade” foi atingida. O país empobreceu consideravelmente. O “milagre económico” anunciado percebe-se que foi um fiasco, a dívida pública agravou-se de forma escandalosa e ainda por cima o deficit continua elevado. Não há qualquer mudança. Continuamos a afundar-nos neste buraco que não para de ser escavado. Até a “saída limpa” parece ter sido sol de pouca dura pois os sacrossantos mercados borrifam-se para continuar a baixar as taxas de juro da dívida portuguesa, agora que o interregno para safar a elite que manda na Europa chegou ao fim.

Já não há qualquer expectativa e esta maioria – e certamente o seu mentor Cavaco Silva -, já não consegue disfarçar a situação de fracasso total destes três anos de sacrifícios inúteis. A derradeira oportunidade para continuar no poder e de algum modo continuar a mesma política – só vejo esta – é, convocar eleições antecipadas, o mais rapidamente possível. O ambiente é particularmente favorável pois a maioria dos partidos – e do povo – reclama eleições antecipadas. E as dificuldades criadas pelo chumbo do TC, são o pretexto que faltava…

Se forem rápidos, talvez até vão a tempo de ganhar as eleições. Por curta margem, certamente. Não será um resultado lógico, espectável, mas, com a nossa cultura política e com a comunicação social que dispomos, nunca se sabe. Mas se a coisa falhar, o que é provável, ainda lhes resta Seguro – que desespera por ser primeiro ministro e sabe que está a prazo – como alternativa para continuar no poder. Ou se aliam a ele como vencedores, ou se aliam a ele como perdedores.  Seguro é quem tem mais hipóteses de ganhar umas eleições no curto prazo – Costa pode não ter tempo para se impor -, mas nunca terá uma maioria absoluta para governar sozinho e terá de aliar-se à direita. Quem está a ver o Seguro a governar com o PCP ou o BE?

Pode ser a surpresa que nos reserva esta maltosa para os próximos dias… Mas como eu desejo estar enganado!


Daniel D. Dias

domingo, 1 de junho de 2014

Lá está a rã, coaxando, a lembrar a primavera:


quanto tempo se leva cultivando ninharias

ignorando avisos do que realmente importa…



Daniel D. Dias

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Dúvida



Alguém me explica para que serve a moção de censura anunciada pelo PCP -, que conta já com o voto favorável do PS de Seguro (mesmo sem conhecer o texto) -, sabendo-se de antemão que vai ser reprovada  no parlamento dominado pela "maioria" PSD/CDS?  Será para facilitar a vida ao inefável presidente Cavaco? Com uma moção de censura (garantidamente) rejeitada como pode a criatura ir contra a vontade maioritária do parlamento e convocar eleições antecipadas?

Há coisas que não entendo mesmo: Afinal a oposição quer ou não quer eleições antecipadas?


Daniel D. Dias

Rotina



Levanto-me e faço
nada pergunto senão quando quero saber
e só quero saber
quando tenho de acertar
algo que partilho com os outros

não olho para vestígios do passado
o passado só me serve
quando quero saber de onde vim
para entender o que me falta para chegar
mas não tenho pressa de chegar a nenhum lado

não me vejo ao espelho
porque esse é um gesto inútil
estou aqui por dentro de mim e sei-o bem
os que me vêm sabem como pareço
e eu nunca serei capaz de ver-me pelos seus olhos

quando me canso, paro,
brinco então, jogo, embriago-me, saboreio, venho-me,
depois deito-me e mergulho na escuridão,
adormeço
nem sombra de memória, nenhum sonho
repouso nos ternos braços da morte


Daniel D. Dias

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Votar entre sapos e cobras



Estão à vista eleições. Para já, as Europeias, que, talvez pela primeira vez, podem ter importância crucial para a Europa e para Portugal. Mas também as legislativas do próximo ano em Portugal - que poderiam eventualmente ser antecipadas, se as Europeias corressem muito mal aos energúmenos da comissão liquidatária que nos “governa”  -, o que até talvez fosse viável se o Zé não se deixasse baralhar e confundir pela algazarra que andam a fazer à sua volta e votasse bem… Percebe-se bem o frenesim que perpassa nos “media”, que, como bons reprodutores da “voz do dono”, vão aumentando a confusão, baralhando, dividindo, provocando hesitação, fazendo interiorizar que a crise era algo inevitável (e não o resultado duma política delibera e criminosa, duma agenda de retrocesso), que vivemos a cima das nossas possibilidades, que fomos salvos da bancarrota, que agora vamos começar a crescer, que os políticos são todos iguais, etc., etc….

Reina a confusão mas duma coisa tenho a certeza: na atual situação há três tipos de eleitores -dois para quem a decisão é fácil e um para quem a decisão é muito difícil. É para este último – o eleitor duvidoso, hesitante, que tenderá a abster-se ou a votar precipitadamente se lhe persistirem as dúvidas - que dedico este post.  Não é para o aconselhar em quem votar, mas para lhe sugerir uma forma – a que adotei para mim próprio – de o ajudar a vencer as suas legítimas hesitações.

Vejamos então:

Tipologia dos eleitores e o que se espera que façam

1-
Quem está de acordo com a situação atual, que acredita nas promessas da coligação que tem (des)governado o país nos últimos anos, ou que tem vantagens na atual situação.
Não há muito que saber: Estes eleitores votam na coligação que está no poder. Só se forem parvos é que o não farão… 

2-
Quem segue um cânone político, ou a orientação dum partido, sem se preocupar demasiado com a eficácia do seu voto; quem se preocupa mais em ser fiel a uma dada linha política do que aos resultados eleitorais porque acredita que esse é o procedimento correto.
Obviamente, coerentemente com os seus critérios ideológicos, estes eleitores devem votar no seu partido ou da forma que o seu partido indicar.

3-
Quem hesita em quem votar porque descrê nos partidos (da oposição) ou nos novos partidos, ou porque descrê nos políticos em geral, mas que, apesar disso, pretende ser interventivo e acha que é imperativo esta maioria de energúmenos ser afastada do poder e castigada nas urnas.

A situação destes eleitores é mais delicada. Deverão fazer uma escolha o mais racional possível - evitando opções emocionais – que tenha efeitos concretos claramente previsíveis. Devem pois procurar VOTAR ÚTIL e rejeitar liminarmente a abstenção ou o voto em branco pois constituem certamente o grupo mais numeroso de eleitores.

Mas como proceder para determinar uma escolha racional no controverso quadro político partidário atual que é a razão das suas dúvidas e hesitações?
Critérios emocionais são perigosos: Um candidato “bom” apoiado num partido com fraca implantação pode dispersar votos, acabar por reforçar as posições da direita e não chegar sequer a ser eleito. Mesmo critérios mais racionais são difíceis de aplicar no atual quadro político.

Obviando esta questão, optei por um método pouco ortodoxo mas que a meu ver conduz à melhor escolha – ou, melhor dito, conduz à escolha mais conveniente. Sigo o princípio maoista - “defende o que o inimigo ataca; ataca o que o inimigo defende”.

Assim, observo pelos “media” qual o partido/candidato que é mais atacado pela coligação que está no poder. Em termos europeus faço o mesmo: observo qual é o grupo político que o grupo de Merkel mais ataca.

Depois, a menos que surjam factores extraordinários que obriguem a rever toda a minha estratégia, o meu voto irá para o partido (candidato ou família política) que foi objeto de maior hostilidade por parte desta direita que está no poder, quer em Portugal quer na Europa - Comissão Europeia.  (Eu posso enganar-me sobre o que devo ou não devo escolher mas os meus adversários, esses, de certeza, não se enganam. Quem eles mais atacam é quem eles mais temem.)

E pronto. No final provavelmente irei engolir algum sapo mas certamente não serei engolido por nenhuma cobra. Veremos. Seja qual for o resultado destas eleições sei que vamos ter muito trabalho pela frente e que continuará a haver muita coisa para mudar.


Daniel D. Dias

Mais uma denúncia


Confirmando o que já era sabido - que a crise das dívidas soberanas era antes uma crise dos bancos e da sua vocação para a especulação e ganância - Philippe Legrain, que foi conselheiro económico de Durão Barroso, revela um pouco mais sobre esta crise numa entrevista dada ao Público   http://www.publico.pt/economia/noticia/ajudas-a-portugal-e-grecia-foram-resgates-aos-bancos-alemaes-1635405.  É uma clara denúncia  da falsidade da afirmação de que temos vivido acima das nossas possibilidades e uma demonstração, insuspeita, da grande hipocrisia dos que agora defendem que salvaram o país da bancarrota:
“As pessoas elogiam muito o sucesso do programa português, mas basta olhar para as previsões iniciais para a dívida pública e ver a situação da dívida agora para se perceber que não é, de modo algum, um programa bem sucedido. Portugal está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa.
E explica:
“…os Governos puseram os interesses dos bancos à frente dos interesses dos cidadãos. Por várias razões. Em alguns casos, porque os Governos identificam os bancos como campeões nacionais bons para os países. Em outros casos tem a ver com ligações financeiras. Muitos políticos seniores ou trabalharam para bancos antes, ou esperam trabalhar para bancos depois. Há uma relação quase corrupta entre bancos e políticos.” 

A não perder.


Daniel D. Dias

domingo, 11 de maio de 2014

Maré de poetas


Agora entendo os poetas
que são afinal os poetas de sempre -
gente que se atreve a olhar o real
esse real quotidiano, sem importância,
quase sempre trivial
que está por ai, displicente
sem pose, nem espectativa
a moldar as nossas vidas

por aí,
no labirinto das ruas,
povoadas ou sinistramente vazias
nos cantos obscuros das gavetas desarrumadas
na pulp fiction dos quiosques decadentes
no cartão debutado esquecido no bolso
na imagem desfocada da memória
desse quase momento
no rímel escorrido na deceção da noite…

por aí,
nesse mundo que ainda vibra lá fora,
vivo e brilhante
por vezes claro e até sorridente
mas que se gasta e agasta
na poeira do egoísmo cinzento
e se afunda na grande vala comum
que a humanidade
esgravata para si própria

Sim, poetas,
qualquer um o pode ser
desde que tenha a verve suficiente
e que não a deixe amarrada
a ditos de chiste,
a cânones e bibliotecas
ou a qualquer pedaço de mármore
desses que enfeitam jardins

qualquer um
desses que não tentam ser espontâneos
quando lhe pesam mais
os conceitos empolgantes
que a vontade indómita, subversiva
de espreitar pelo buraco da fechadura

poetas, sim,
gente de insights inesperados
observadora de devaneios improváveis
de assincronismos ilógicos
que reage, alegre, triste,
ou que não reage,
mas que sempre vive tudo, com surpresa
que se apercebe sempre da nudez do rei


Agora reparo
que há multidões desses poetas por aí,
que vagueiam incógnitos,
incógnitos até de si próprios

alguns atrevem-se e revelam-se,
rebelam-se,
mas a maioria segue,
vagueia insegura, hesitante,
analfabeta ou lunaticamente erudita
desajustada, incompreendida
mas sempre, sempre
sequiosa  por realidade
pornograficamente obcecada pela verdade

essa maré de poetas que vive por aí
improvisando a vida
distorcendo a sua natureza
desbaratando o seu talento
nas obras do poder pastiche dos que mandam no mundo
se vencesse a sua inércia
se acordasse do seu torpor
se não gastasse a sua energia
a dourar a vida miserável
que rói os nossos dias

poderia num ápice
derrubar os mitos que nos amarram
e reinventar este mundo onde tudo está pronto para ser reinventado
e salvar-nos da ameaça que constituímos para nós próprios

ah, se acordassem os poetas que vivem entre nós
se a letargia que os tolhe cessasse por um tempo
o mundo tornar-se-ia num lar, senão seguro, pelo menos habitável  
e felicidade deixaria de ser o nome duma mera expectativa


Daniel D. Dias

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Helicópteros



O desmantelamento da Jugoslávia começou em 1991, na Eslovénia,  com o derrube de dois helicópteros  da força aérea jugoslava pelos separatistas eslovenos que recebiam apoio e eram incentivados na sua ação pela Alemanha democrata cristã (CDU) do Chanceler Helmut Kohl. Tudo isso ocorreu apesar do compromisso formal da Comunidade Europeia e dos EUA de preservarem a unidade da República Federativa da Jugoslávia, pós Tito.

A independência da Eslovénia ocorreu pouco tempo depois deste incidente e foi prontamente reconhecida (1992) pelos EUA e CE. Inevitavelmente, como um castelo de cartas, a esta independência, seguiu-se a mais sangrenta guerra ocorrida na Europa depois da II Guerra Mundial que matou mais de 250 mil pessoas.  A Jugoslávia, dos partisans,  que se libertou do nazismo pelos seus próprios meios, que bateu o pé a Stalin,  foi assim riscada do mapa em pouco tempo.

Ontem, 1 de maio de 2014, no leste da Ucrânia “separatistas pro Rússia” derrubaram também dois helicópteros da força aérea ucraniana. Que consequências vão ter estes atos, ainda não se sabe, mas não parece que augurem nada de bom. Porém, desta vez, a Alemanha democrata cristã, agora da Chanceler Merkel, parece não estar de acordo nem apoiar.

Conclusão: Em matéria de desmantelamento de países, para a EU e EUA, parece haver separatismos bons e separatismos maus…

Daniel D. Dias

quarta-feira, 26 de março de 2014

Tempo de impunidade, ou a problemática do "roubar pouco" e do "roubar muito"



Paula Teixeira da Cruz, a putativa ministra da Justiça do atual governo, reafirmou recentemente, de forma categórica, que “o tempo de impunidade acabou!” porque, garantiu, “seja quem for ninguém está acima da lei”  http://videos.sapo.pt/8CrqM9VaZ7ZriNZzUZqJ . Ora, para quem ainda tenha dúvidas, aqui fica a confirmação do que a ministra afirmou, como o título do Jornal de Notícias sugere: "Padeiro condenado a pagar 315 euros por roubar 70 cêntimos"  http://www.jn.pt/PaginaInicial/Seguranca/Interior.aspx?content_id=3774259. Bem entendido, a prescrição de todas as condenações do banqueiro Jardim Gonçalves recém confirmada pela justiça portuguesa http://www.publico.pt/economia/noticia/tribunal-da-razao-a-jardim-goncalves-e-deixa-cair-condenacao-do-bdp-1627422  – e que envolve o perdão de uma multa de um milhão de euros - http://www.asjp.pt/2014/03/12/juizes-investigam-perdao-de-milhao-a-jardim-goncalves/ está, naturalmente, - sempre esteve - fora deste contexto “de impunidade” referido pela ministra…

Para quem não tivesse entendido as razões deste facto aqui fica, como achega, um excerto dum sermão do Padre António Vieira, proferido há 359 anos.

“O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.
(…) os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos.“
(In, Padre António Vieira, “Sermão do Bom Ladrão”- 1655)


Daniel D. Dias

sexta-feira, 21 de março de 2014

todas as flores são eternas




chegamos sós
mas construímos a ideia de que estamos acompanhados
graças à artimanha da natureza que nos arredonda as faces
torna graciosos os nossos gestos
nos transforma, por um tempo, em belas flores

depois, quando entardece, os ossos esquinam-se e endurecem
o brilho do olhar tomba sob nuvens de negras rugas
e as belas pétalas decaem em estranhas formas, que o vento arrasta


na penumbra, já poucos nos veem
e os que o fazem apenas tateiam a  memória que sobra
da vaga ideia do que pensam termos sido
ou de eventuais vestígios que largámos pela paisagem


estamos sós,
vivemos e morremos sós:
tem um custo gozar o privilégio de apreciar
as belas flores que ajudamos a dar vida…
mas não é triste, nem alegre
é apenas assim
o fazer parte da eterna paisagem mutante


mas em cada primavera
o vulto das flores caídas, os seus remotos aromas,
animam-se nos bicos das aves, nos  rebentos das velhas árvores
nos traços de cada flor...

de que podemos queixar-nos?
mesmo que não saibamos, mesmo que não demos por isso
todas as flores são eternas


Daniel D. Dia

terça-feira, 18 de março de 2014

A UE não é território ideal para qualquer utopia



Medeiros Ferreira faleceu hoje mas como se costuma dizer morre o homem e fica a obra. Não me lembro de melhor forma de homenageá-lo nesta altura, do que recordar o que suponho ser o seu último livro intitulado “Não há mapa cor-de-rosa – A história (mal)dita da integração europeia”, editado pelas Edições 70, em 2013. Este é um dos documentos mais lúcidos e esclarecedores sobre a génese da União Europeia que já tive ocasião de ler. Através dele podemos entender as razões que subjazem ao chamado projeto europeu, que teve tudo menos razões altruístas para ser implementado. Lendo livro fica claro que a UE foi um estratagema conduzido pela “direita civilizada” – a democracia (dita) cristã, apoiada pela única potência mundial que lucrou com a guerra, os EUA, para relançar a Alemanha como testa de ponte da economia ocidental. O objetivo era construir uma barreira no coração da Europa ao hipotético avanço – ou contágio - do que se entendia ser na altura o modelo socialista, algo que, em rigor ninguém sabia o que era, excepto que tinha tido a força suficiente para derrubar Hitler e ganhar a guerra.

Diz Medeiros Ferreira:

“Enquanto durou o conflito Leste-Oeste, a divisão da Alemanha e a existência de regimes de democracia de influência soviética, a Comunidade Europeia caprichou em dar respostas positivas aos desejos de desenvolvimento e de modernização dos países chamados da ‘coesão’: Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, por ordem de chegada entre 1973 e 1986. Quando acabou a noção de ‘Europa Ocidental’ e se operou a reunificação alemã, assim como o alargamento a Leste, começou a emergir o egoísmo das lógicas nacionais. Entre 1992 e 2001 passou-se num ápice da miragem da ‘Europa dos Cidadãos’ para a realidade da ‘Europa das Chancelarias’.

(…) Não há maneira de escamotear o diferente comportamento da EU antes e depois do fim da guerra fria. Mesmo a defesa e promoção dos direitos humanos no espaço de liberdade e justiça sofreu uma subalternização nítida. O facto de a EU não subscrever a Convenção Europeia dos Direitos Humanos do Conselho da Europa foi disso sintoma e prova.”

E no final, previne:

“O erro inicial foi o da fuga à vontade dos povos e ao escrutínio democrático a nível europeu. Disse-o Mendés France com clareza no Parlamento francês em Janeiro de 1957. O chamado ‘método Jean Monnet’ acabaria por criar um hiato entre a Europa dos oligarcas e dos burocratas e a Europa dos Cidadãos para surgir agora a Europa das Chancelarias. Ora, a Europa das Chancelarias não é um passo em frente em relação à história do continente. Nem na sua forma de eixo, ou directório, e muito menos sob qualquer conduta unilateral. Sendo certo que a UE não é território ideal para qualquer utopia.”

“Não há mapa cor-de-rosa – A história (mal)dita da integração europeia”, de José Medeiros Ferreira, esclarece muitos pontos obscuros desta UE que atravessa uma fase crítica da sua existência. Para conhecer melhor a Europa e compreender a atual crise mas também como forma de homenagear o político e pensador Medeiros Ferreira, sugiro a leitura urgente deste livro.

Daniel D. Dias

quarta-feira, 12 de março de 2014

Consensos



Cavaco fala da necessidade de um consenso para vencer a crise   http://www.publico.pt/politica/noticia/pr-insiste-nas-vantagens-de-um-entendimento-politico-para-o-postroika-1627777 e agora, inesperadamente, como diz Bagão Felix, aí surge um  http://expresso.sapo.pt/manifesto-de-70-personalidades-apela-a-reestruturacao-da-divida=f860221.  E é um consenso a sério, transversal, como há muito não se via na sociedade portuguesa. Cavaco vai ficar contente? Claro que não, pois não é este tipo de consenso a que Cavaco chama “consenso”. Cavaco (economista) tem a mesma visão que Salazar (economista) tinha para Portugal. Um Portugal, pobre, rústico, (Cavaco elogia o regresso aos campos…), bem comportado, de boina na mão. Um Portugal de “consensos” obtidos em câmaras corporativas onde, se necessário à força, se “harmonizam” os interesses dos ricos e dos pobres.

Ou muito me engano ou Cavaco irá contestar este consenso por achá-lo "inoportuno", como lhe chamou o Gelatina Estridente, por exemplo, ou argumentando com uma qualquer roteirisse daquelas a que já nos habituou. Ou então, pura e simplesmente, vai ignorá-lo. Este tipo de consensos é algo muito pouco agradável para Cavaco. É que fica completamente à vista que o verdadeiro chefe deste (des)governo, não é o gauleiter Passos, mas o próprio Cavaco.


Daniel D. Dias

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ucrânia



A ideia de que na Ucrânia se combate pela liberdade contra a opressão já era suspeita à partida, quando começaram as concentrações em Kiev. Era no mínimo estranho que toda a direita e extrema-direita europeias fizessem um coro unânime e histérico, laudatório dos manifestantes e condenatório dos corruptos oligarcas ucranianos. É bom que se assinale, que esses oligarcas, cavalheiros de indústria, verdadeiros criminosos que enriqueceram com o desmantelamento do antigo Bloco de Leste, têm o seu dinheirinho bem guardado na EU e nos EUA, onde dispõem de tratamento VIP. Personagens como Barroso, Hollande,  Angela Merkel, Cameron, McCain, Obama, Rasmussen, Catherine Ashton, Donald Tusk, Rajoy, só para citar alguns, aliados e coniventes em recentes ingerências (Iraque, Afeganistão, Paquistão, Líbia, Síria, por exemplo), que outro sinal poderiam dar que não fosse o de estarem a apoiar algo muito duvidoso?

Mas o aparato dos “media”, a manipulação da informação, os agentes e comentadores de serviço que dominam o “status quo” na EU e EUA – citados permanentemente como “comunidade internacional!” -, fizeram crer a muito boa gente que se tratava duma verdadeira revolução, pela liberdade, contra o opressor russo.

A procissão ainda vai no adro mas já há indícios claros de que está muito mais em jogo do que a luta de um povo pela sua independência e liberdade. O que à partida parece estar a acontecer é o aproveitamento de descontentamento legítimo dum povo para relançar os avanços geoestratégicos a leste há muito pretendidos pela OTAN – a única organização militar que sobreviveu à Guerra Fria e que não para de expandir-se (onde lá vai o Atlântico Norte). Não deixa de ser curioso que resquícios dessa Guerra Fria estejam agora a ser ressuscitados para defender ou para atacar a Rússia… como se da União Soviética se tratasse.
 
O artigo de Daniel Oliveira publicado no Expresso online de hoje (10/03/14) http://expresso.sapo.pt/apresento-vos-os-defensores-dos-valores-europeus-na-ucrania=f860020 dá um contributo importante para entender o imbróglio em que esta União Europeia nos está a meter a todos. De igual modo o Jornal I, também de hoje, http://www.ionline.pt/artigos/mundo/kiev-acusada-contratar-mercenrios-da-blackwater  revela que mercenários duma famosa empresa de segurança, sediada nos EUA, foram e continuam a ser utilizados para intervir na Ucrânia.

As coisas raramente são o que parecem e quase nunca são tão simples. Mas uma coisa é certa: a UE, que ainda está mergulhada numa crise, embarcou em mais uma aventura de desfecho imprevisível.

Daniel D. Dias

Nota: Sobre a empresa de segurança citada – Blackwater, agora também chamada Academi -, vide http://blackwaterprotection.com/ , http://www.motherjones.com/mojo/2009/08/blackwater-too-big-fail, http://academi.com/, http://narcosphere.narconews.com/notebook/erin-rosa/2010/08/blackwater-provided-unauthorized-training-colombia

sexta-feira, 7 de março de 2014

Cão de Pavlov



A maioria das pessoas acantona-se nas suas ideias e rejeita as dos outros a não ser que esteja previamente disponível para concordar com elas. É por isso que é tão pouco produtivo, tão dececionante, gastar tempo a esgrimir argumentos. As pessoas estão tão carentes, tão desejosas de atenção, que não procuram esclarecimento. Procuram companhia, esmolam compreensão. Paradoxalmente estamos a tornar-nos profundamente ignorantes e mais manipuláveis do que nunca graças aos avanços da ciência e da tecnologia que compramos e promovemos entusiasticamente. Tornámo-nos mercadorias e somos objetos de marketing com o qual voluntariamente colaboramos, mesmo sabendo que somos usados. Que importa? O que é preciso é que não fiquemos sozinhos, que em alguma parte do universo alguém nos dê razão… O cão de Pavlov pode continuar a salivar e uivar de dor, mas quem está condicionado é afinal o próprio Pavlov.


Daniel D. Dias

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Felicidade


Felicidade é sentir-se bem? É gostar de viver? É amar e/ou ser amado? É ter objetivos na vida? É ter uma carreira (seja lá o que isso for)? A felicidade tem níveis (grande, pequena, assim, assim)? Duvido. Os gatos vadios que agora me invadem o quintal, passam fome, frio, lutam uns com os outros, amam-se, adoecem e julgo que também morrem. Serão felizes? Serão infelizes? Quando têm sol deitam-se e apanham-no, visivelmente deliciados. Numa qualquer cama, improvisada, dormem descontraídos. Quando comem algo, mesmo duvidoso,  parece que o fazem com apetite, sem hesitação. Zangam-se mas também brincam. Não sei se são felizes, mas apostava que também não são infelizes. Em que são diferentes de mim? Por exemplo, nada comparam, aproveitam tudo o que tem utilidade imediata e nada guardam. Não pensam no dia de ontem e não receiam o de amanhã. Têm memória mas não são escravos dela nem têm ressentimentos. A memória para eles não passa dum instrumento, como os dentes, as unhas  ou o olfato.

Bem, tudo isto é uma especulação minha, dum viciado em pensamentos. Mas os gatos sugerem-me que a felicidade – conceito que nós, humanos, temos sempre presente e nos preocupa tanto que até já se ter tornou disciplina científica - talvez seja um estado de indiferença a essa coisa de ser feliz ou infeliz…

(Não confundir felicidade com prazer, ou infelicidade com sofrimento. Há prazer e sofrimento que aparentemente não geram infelicidade e vice-versa. Quando agimos plenamente, quando amamos, pelejamos, construímos, destruímos, corremos, jogamos, não questionamos se somos felizes ou infelizes. Não temos tempo para isso. Só quando paramos, nos abrigamos ou procuramos refúgio, nos sentimos infelizes. Raramente, nessa circunstância, nos dizemos felizes. A felicidade, então, é algo que fica sempre lá para trás, num passado a maioria das vezes difuso…)

Essa coisa da felicidade é pois tramada, difícil de definir. Existirá? Quando se fala dela, já passou ou pura e simplesmente percebeu-se que, afinal, nunca existiu. Viver sem medo, tranquilamente, gostar de alguém, ser amado, sentir-se útil, não padecer de dores físicas e morais, não sofrer privações, dará prazer, será agradável. Mas será suficiente para gerar felicidade? O facto corrente de gente com tudo isso, com sucesso invejável, suicidar-se, parece mostrar o contrário.

Provisoriamente admito que a felicidade talvez exista, mas como “tendência para um limite”, como uma aspiração que incha ou emagrece ao sabor das contingências sempre variadas das nossas vidas. Ao fim e ao cabo talvez só sejamos verdadeiramente felizes quando não damos por isso.

Daniel D. Dias

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Descuidos




Quando há problemas (nos) intestinos é quase certo que, mais tarde ou mais cedo, surgirão descuidos denunciadores.

Foi o caso de António José Seguro, ontem. De manhã, na AR, o primeiro ministro elogiou o PS pela colaboração com o Governo na preparação do acordo sobre a aplicação dos fundos europeus para o período 2014-2020, congratulando-se com o facto de “o Governo e o maior partido da oposição, apesar das divergências que possam ter, tenham podido colaborar de forma tão próxima”. Ora Seguro que não se cansa de afirmar que se recusa a colaborar com o atual governo e que garante nunca desenvolver negociações que não sejam transparentes e do conhecimento público, não contestou estas afirmações. Contorceu-se, é certo, mas acabou por deixar um fedor de incómodo comprometimento a pairar no hemiciclo http://noticias.pt.msn.com/ps-colaborou-de-forma-pr%C3%B3xima-com-o-governo-sobre-fundos-europeus-%E2%80%93-passos-coelho.

Mas logo a seguir, no “Clube da Alameda”, em jeito de pré campanha eleitoral, afirmou que “os últimos quatro governos prometeram todos que não aumentavam impostos e quando chegaram ao governo aumentaram esses impostos”.  Manifestou assim, de forma descarada, aquilo que há muito disfarçava: a quebra de lealdade com o seu próprio partido e em particular com a última governação socialista que - é bom não esquecer -  é o álibi supremo desta corja que tomou o poder. http://noticias.pt.msn.com/seguro-critica-governos-do-ps-e-psd-por-incumprimento-de-promessas-eleitorais. Desta vez o fedor foi tão inequívoco que se sentiu por todo o país. Só lhe faltou mesmo o ruído peculiar para merecer o habitual epíteto...

Não sei se Seguro tem na mira agradar ao eleitorado descontente ou se é movido pela sub-reptícia convicção de que, afinal, os portugueses têm vivido a cima das suas possibilidades e que, não sendo simpática embora, a atual maioria está no caminho certo e faz o inevitável, o que tem de ser feito. Será por isso que nada promete? Ou será que – pura e simplesmente - nada tem para prometer?

Uma coisa parece certa: se os militantes do PS não se puserem a pau, Seguro fará ao PS o que Passos tem feito ao país.

Daniel D. Dias

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Processo Casa Pia e as imundices dos "violados" que não se lembram como foram violados e por quem...

Processo Casa Pia e as imundices dos "violados" que não se lembram como foram violados e por quem... "Pedro Namora alegou ter sofrido "ameaças, perseguições e tentativas de difamação" pela sua intervenção a favor das vítimas de abusos sexuais na Casa Pia de Lisboa, referindo que "os maiores ataques que sofreu pertenceram ao arguido Carlos Cruz (apresentador de televisão) e ao ex-arguido Paulo Pedroso". Mas continua a Relação: "O acórdão do TRL agora proferido sublinha ainda que o despacho de não pronúncia de Paulo Pedroso foi mantido na Relação "não por se ter logrado demonstrar que o mesmo estava inocente, o que não se demonstrou, mas sim por não se ter logrado obter indícios suficientes que o mesmo era responsável pela prática dos actos que lhe foram imputados", ou seja "não têm o valor de declaração de absoluta inocentação" deste". Por outras palavras, o Paulo Pedroso era culpado até provar que era inocente. A presunção de inocência que se lixasse. "Namora afirmou ter sido avisado por uma jornalista para "se pôr a pau" quando Paulo Pedroso foi incluído no processo". Ressonância da estupidez Judicial e dos meninos do Parque Mayer

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Fábula



O redil está preparado, os maiorais estão por aí, cantando, assobiando, para encantar o rebanho. As ovelhas seguem tosquiadas, a tiritar, mas balem conformadas: Agora, há menos invejas, fazem parte dum rebanho maior, magricela é certo, mas onde há sempre alguma ovelha disponível para ouvir balidos inconformados. “Qualquer dia… qualquer dia…” Alertam alguns ovinos, que fazem questão de salvaguardar a esperança. E de facto muitos continuam sonhando com pastagem viçosas onde a erva fresca nunca falta. Porém continuam retouçando cardais, dia para dia mais tísicos, ao som do chocalhar de baladas pastorais de tempos bíblicos.

O rebanho está cansado, farto de balir em vão. Resigna-se: Sempre foi assim. Os maiorais acabam sempre dominando. Há que aguentar. Mas, na sua inconformidade, vai-se consolando com pequenas coisas - tricas do quotidiano, rezas, lendas de ovelhas que venceram o pastor tirano, mitos do pastor amigo, ovelhas ronhosas que minam o rebanho… Como sempre fez aliás: É preciso ter esperança pois que não há fome que não dê em fartura. E há por aí muito rebanho a passar pior que o nosso…

Os pastores atuais são sábios. Discípulos de Skinner e Bernays sabem que o segredo está na modulação. Ovino, rato ou humano, todos são condicionáveis, susceptíveis de domesticar. No caso do bicho humano não há complicação de maior: Basta que se lhe alimentem as fantasias e que nunca se deixe contaminar pelo silêncio próprio da sua mente. Este silêncio próprio - que é o que permite pensar por si mesmo - constitui a peste mais nociva. Equivalente à “peste suína”, nos porcinos, ou à “doença das vacas loucas”, nos bovinos.

Mas os pastores confiam na sua técnica: sabem que enquanto alimentarem o ruído na cabeça das suas ovelhas elas permanecerão disponíveis para obedecer e os efeitos dessa peste serão mínimos e passageiros. Mesmo que se revoltem, mesmo que fujam, acabarão por regressar ao redil por si só. Foram habituadas de pequenas a seguir chocalhos, identificam-se como ovelhas, têm roupagem, hábitos, nomes, tradições, chips, de ovelha. Como podem conceber um mundo sem redis, que não seja dominado por pastores?


Daniel D. Dias

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Desfazendo dúvidas



Sócrates é o álibi perfeito para a espúria confluência política que instalou no poder esta maioria que veio destruir, sabe-se lá por quantos anos, a economia portuguesa. Por isso deve continuar a ser atacado para justificar a escabrosa ação desta maioria  da qual o povo português está ainda longe de se ver livre. Quem estiver atento facilmente perceberá que está em marcha em toda a Comunicação Social um plano de reabilitação das políticas desta governação que ainda não desistiu dos seus intentos. O ressurgimento da projetada privatização da TAP mostra que esta seita que “governa” o país ainda não desistiu e que até está a ganhar novo fôlego. Por isso continua a ser necessário denegrir Sócrates seja de que forma for, e mentir, afirmando que há crescimento, que há sinais de retoma, etc. Pudera: quando se atingem níveis históricos de miserabilismo, qualquer cêntimo encontrado no fundo do bolso, qualquer alface que nasça no quintal semeada pelo vento, podem influenciar o crescimento do PIB…

Mas agora já só continua iludido quem quiser continuar. Através da retardada e provavelmente cénica comissão nomeada pelo Parlamento Europeu “para investigar a acção da ‘troika’ nos países resgatados”, ficam a saber-se coisas que esclarecem quaisquer dúvidas que restem sobre a génese da atual situação.  O comissário Olli Rehn, por exemplo, esta segunda feira, negou perentoriamente que os cortes nas pensões e as privatizações da EDP e da REN tivessem sido impostos pelos credores internacionais a Portugal e imputou  essas decisões à exclusiva iniciativa e responsabilidade do atual governo http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=QYQ4HwQDJ9w. Na terça feira o  antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, também defendeu quese Portugal e a Grécia tivessem cumprido as recomendações feitas no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) teriam evitado muitos problemas, nomeadamente os programas de regaste”  http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=24&did=135669#.UtW2slVv7iE.facebook.  Naturalmente Trichet referia-se ao célebre PEC IV de 2011, cujas metas então acordadas com a Comissão, pedia que fossem confirmadas (pelo parlamento) http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/trichet_eacute_essencial_que_portugal_confirme_metas_do_pec.html.  Como é sabido o PEC IV ao ser chumbado pela histórica confluência do PSD, CDS, BE e PCP, fez cair o anterior executivo criando condições para a ascensão ao poder da atual maioria.

E assim se vai, paulatinamente, descobrindo a verdade e desfazendo dúvidas. (Vale a pena ler/ouvir com atenção os depoimentos referidos). Mas, ainda assim, restarão sempre duas:

Quando termina esta desgovernança e como vão ser corrigidas as sequelas que vamos herdar;  o que  terá entretanto  aprendido o povo nesta provação.


Daniel D. Dias

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O espetáculo não pode parar...



É apenas uma impressão, nada de muito fundamentado, mas estou com o pressentimento de que está em preparação uma mudança de ciclo em termos europeus porventura com pretensões de influenciar o mundo. Os juros baixam por todo o lado, o desemprego desce, o crescimento económico é revisto em alta, as agências de “rating” desvanecem-se em prognósticos favoráveis e elogios, arrumam-se acordos à pressão, ensaiam-se “transparências” inesperadas, anunciam-se indicadores positivos à fartazana… Sintomático é também as liliputianas figuras do microcosmo português, se agitarem, se esticarem nas pontas dos pés e perorarem intermináveis loas bacocas que encontram eco nos nossos prestimosos “me(r)dia” … 

Ou muito me engano ou já está em preparação um primeiro teste dessa mudança: As eleições europeias de maio próximo. O espetáculo não pode parar mas é preciso afastar uma previsível pateada monumental. Para começar tratar-se-á duma mudança de cenário e adereços, com retoques nas falas, nada de grande coisa. Entrarão em cena, claro está, alguns novos atores para refrescar o espetáculo. Tratar-se-á duma mudança para não mudar nada, ou, dito de outra forma, duma mudança que assegure que o essencial não mudará.

Já lá dizia Lampedusa: “Para que as coisas fiquem iguais é preciso que tudo mude”. Cá por mim vou tratar de reservar um lugar. Receio que a lotação se esgote.


Daniel D. Dias

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O "do" de Eusébio



O conceito de “do” universalmente presente na cultura japonesa por influência da tradição budista veiculada da antiga Índia, via China, ajuda, em meu entender, a perceber melhor o sentido da vida das pessoas. No ocidente tem proliferado a ideia de “carreira” com conotação semelhante à de “do” mas “carreira” fica muito aquém da riqueza semântica de “do”.

“Do” – literalmente “caminho”, “via” – tem pressuposto uma determinada ordem cósmica que encerra o sentido de todas as coisas e que está acessível a todos os seres através dele. Mas onde encontrar esse “caminho”? A resposta é: em todo lado, em qualquer coisa. A figura do círculo que em qualquer ponto se pode começar a percorrer, é a representação mais paradigmática que conheço.

Há caminhos mais burilados para procurar a harmonia com essa ordem cósmica, criados e trabalhados por mestres, famosos ou anónimos, ao longo de gerações. São famosas as chamadas artes marciais, todas elas contendo a partícula “do” no seu nome: KarateDO, juDO, AikiDO, mas também o ChaDO (“cerimónia do chá” ou “caminho do chá”) BushiDO (“o caminho do guerreiro”) Ikebana ou KaDO (“arranjo de flores” ou “caminho das flores”)…

A ideia fundamental a reter é a de que qualquer atividade - artística, científica, profissional, desportiva -, pode constituir um “do”. Claro que também pode constituir uma “carreira” mas a ideia de carreira não tem implícita a ideia de abranger o cosmos, de atingir o auto conhecimento, de ganhar o “dom de si” que trilhar um “do” pressupõe.

Vem este preâmbulo a propósito de Eusébio que acaba de nos deixar. Para mim ele é a demonstração perfeita de que o futebol e a sua prática, podem também ser uma via de aperfeiçoamento, de superação das nossas insuficiências, uma forma de integração nesse enigmático universo onde navega a humanidade.

Claro que o futebol pode ser uma feira de vaidades, uma carreira que enriquece alguns, um espetáculo que pode ter contornos alienantes que alguns aproveitam. Mas também pode ser um campo de virtudes e um método de aperfeiçoamento. Em rigor: também pode ser um “do” - um “futebolDO”. E, para que não haja dúvidas, mestre Eusébio  – prefiro mestre a rei - está aí, com o seu exemplo de vida e de grande artista que foi.

Em sua memória deixo aqui este Haikai  de Sigrid Spolzino que me parece apropriado ao momento


“Folhas caindo

lágrimas de inverno

temporárias”


Daniel D. Dias

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Será desta?



Se o conhecimento fosse uma tendência genética, considerando os anos que a escrita tem de inventada, e já teríamos assistido a um ou outro ser humano nascer com os dedos transformados em aparos ou pincéis.

Mas não é isso que acontece. Pelo contrário, sabe-se que ainda vão nascendo alguns humanos com resquícios de cauda comprovando assim que ainda nos rondam atavismos simiescos. Todavia a maioria de nós – mesmo os mais pessimistas - está convicta de que o conhecimento, a cultura, a curiosidade intelectual, a cidadania, a solidariedade, são valores humanos adquiridos, que não retrocedem apesar das dificuldades que enfrentamos.

Mas não retrocederão mesmo?

Quando ouço cidadãos respeitáveis manifestarem o desejo de reimplantar a jorna – trabalho pago ao dia, para quem não sabe -, a fim de resolver os problemas de produtividade (a malta não quer é trabalhar, não é verdade?);
- quando vejo aceitar sem relutância o retorno à ideia de responder aos problemas sociais básicos através do assistencialismo medieval assente na caridade;
- quando assisto à interminável explicação de que OS MERCADOS são o “leitmotiv” de tudo - qual força da natureza ou divina providência -, fazendo crer que por detrás deles não há ninguém com quem se possa  falar a não ser para concordar e receber ordens;
- quando ouço anunciar a todo o momento, apelos, promessas, lutas, por uma sociedade MAIS justa… (Que diabo: a ideia duma sociedade humana, simplesmente, justa – sem o “mais” – é assim tão inviável?);
- quando vejo o povo, mais enfraquecido, mais incapaz de trabalhar em comum, mais dependente de carismas, mais carente de lideranças fortes, menos confiante e sem iniciativa;
- quando constato que os divertimentos preferidos dos mais carenciados e fracos são as peripécias da vida dos que vivem à sua conta e se dedicam a explorar a sua fraqueza;
- quando assisto ao renascimento de nacionalismos, xenofobias, práticas racistas, ideias que julgava extintas entre nós…

Fico na dúvida.

O retrocesso não será genético – também e felizmente - mas sei que não é inevitável. Esse é o problema e a história comprova-o. Apesar de tudo, teimo em acreditar que estas manifestações de retrocesso a que assistimos, são coisas temporárias, algo como uma tempestade, ou peste, que vão passar. Prefiro acreditar que as reservas de saúde e de bom senso, são superiores às manifestações de mediocridade e de doença que assolam a sociedade atual.

Por isso, vou intervindo menos, reservando-me para melhores dias, esperando sinais promissores... Será que é este ano que a malta acorda? Será desta?


Daniel D. Dias